Eu via esse relógio encantada, fascinada.
Tinha sido construído há muito tempo, e com muita dedicação. Me surpreendia
mais a dedicação. Por isso que eu devo gostar tanto de coisas antigas, daquelas
grandiosas obras do passado que ainda se mantêm em pé, resistindo ao passo do
tempo: incompassivo, persistente, inesgotável. Eu me encantei com esse relógio.
Tentei registrá-lo numa foto, mas ele burlava-se da minha intenção: extravasava
sempre os limites.
Não consegui uma boa imagem, mas cada
vez que eu a vejo consigo me lembrar daquela noite fria, naquela cidade de
pedra, da minha felicidade. Já isso basta. Gosto de pensar que aquele relógio,
esse orgulhoso ostensor do tempo, não poderia ser jamais registrado. Não, ele
não posa; ele, na verdade, riu da minha pretensão, pois eu vejo, sim, o posicionamento
das agulhas pretas, pesadas, de ferro; mas não o tempo.
Embora essa imagem evoque mais uma
lembrança prestes a ser barrida pelos incessantes giros das agulhas; também
sugere-me uma idéia, que reconheço imortal: a beleza enigmática do tempo que
escorre, como um rio que não alcança nunca o mar.
María Mara*
Rio de Janeiro, abril de 2015
*A jornalista María Mara é conterrânea de Jorge Luis
Borges e muito afeita ao idioma de Machado de Assis. O texto foi escrito por
ela, mas é tão meu, que faço aqui um empréstimo.
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