domingo, 2 de setembro de 2012

12 horas para o fim da noite

Sentiu uma espécie de vertigem, estava presa entre uma memória adormecida e um sonho que acordou antes do fim, nem pôde ver o sono se esgueirando pela parede até sumir por detrás das cortinas. Nesse delírio, as horas passavam incontáveis em tic-tacs psicodélicos e a saudade, já em trabalho de parto, respirava com certa sofreguidão.

Fulaninha se punha em desatinada relembrança. Queria saber como lidar com as lacunas da memória, mesmo com medo de se perder nos vácuos, lembranças que ela não pôde nomear. Caminhava pelas terras conquistadas pelo esquecimento sem criar caso sobre o próprio paradeiro. Cada história parecia ter seu núcleo e ela não estava certa sobre em qual gostaria de se demorar.

De prontidão quis escrever um relato, mas lhe faltavam os caracteres do alfabeto. O caso é que a imaginação, presente único da insônia, nem sempre é presa fácil. Nesse mesmo enquanto a saudade fazia-se mãe ardorosa na mais presta ligeireza. Bastou a cria ensaiar o primeiro choro e ela já era toda braços. Tanto, que mal cabia no abraço ausente de pai.

Fulaninha, a saudade e sua cria dividiam a cama em que o sono se recusava a deitar. Eram três corações obstinados por distração. Foi num raro momento de sincronia de batidas que fulaninha engasgou com a palavra que quase sai involuntária feito soluço. Era uma dessas palavras de antes da humanidade, dessas que a gente guarda em conserva. Mas ela não disse, absorta com uma espécie de falta. Não, era ânsia. Não, era falta mesmo, estranhamente, do que ainda estava por vir. Do que nunca sonhara ter.

Fulaninha fez-se ambiciosa, não bastava saber o que sabia, toda a interessancia era pouco. O mundo todo parecia pouco pra tanto mundo que ela suspeitava. Os livros que nunca lera faziam falta na estante da memória. Queria já ter conhecido novos lugares, novas línguas, quiçá novas bocas. O ímpeto de recuperar o tempo ido a consumia e a criaturinha a espiava, divertida, no colo da mãe desacordada e ainda grávida.

4 comentários:

Anônimo disse...

A insônia eh quando as idéias, motivadas pela fúria de correr sobre o papel, impedem o trabalhador de dormir rs O único remédio eh mesmo sair despejando tinta! E a cada palavra surge um pensamento novo q sempre esteve ali e vc jamais se permitiu sentir. Por isso a saudade daquilo q nunca se teve só que de alguma forma sabe q sempre desejou... Daiane Brito

Anônimo disse...

E quem nunca se sentiu como Fulaninha que atire a primeira lembrança... O sentimento tênue que separa a saudade e a nostalgia è que às vezes por falta de adjetivos nomeamos de dor e esta por vezes nos faz acreditar que a felicidade è ilusão e a tristeza è que è a realidade. A verdade è que disponibilizamos mais espaço em para a alegria do que para a dor, para tristezas, dores, decepções quase não há espaço e por isso que fere tanto, è capaz de se sentir quebrar os ossos e parece não caber. Mas para a alegria, ah essa chega e se deleita de todo conforto, chega a se perder de tanto espaço que há e o que não se consegue preencher com o passado busca no futuro, è o espaço destinado aos sonhos os vividos e os que se deixou de viver. E isso faz da decepção a pior das dores pois se trata de um sentimento acostumado ao espaço da alegria e ao se mudar para o habitat da tristeza não consegue se habituar tão pouco se adaptar...

Unik Tampa Nama

Valdete Trindade disse...

Quanta inspiração, quanta criatividade.

beijo da admiradora

Anônimo disse...

Antes de dormir pousamos nossa cabeça no travesseiro e ensaiamos o futuro, mas travesseiro conhece passado e nada fica impune. Sobressaltados por tamanho conhecimento, se da tais insônias. Os desejos do passado vem assolar a realidade presente, e o pesadelo, dessa vez é acordado.