terça-feira, 26 de junho de 2012

Coração pra quem te quer‏


Já naquele enquanto a lembrança era uma cobra que usava os dentes da própria vítima para espalhar o veneno. Parecia que o tempo tinha parado, mas as ideias continuavam envelhecendo. Até sentia os neurônios esclerosados, coitados, enlouquecendo. Seu Amórdio só fazia conta de se desligar, descansar, mas sabia que a administração dos sentimentos pagãos lhe tomaria todo o dia. Nessa labuta interior, às vezes, até de comer se esquecia. Quem não o conhecesse pensaria que era caso de letargia. Seu Amórdio era deveras uma estranha e desajeitada companhia.
A noite chegava e os olhos só deitavam quando rendidos pelo cansaço. Foi assim que, sem esperar, Seu Amórdio recebeu o mais doce e desconcertante dos abraços.  Ela vinha faceira, de longe parecia brisa, leve e refrescante, mas instalou-se revolta feito um tufão, forte e sufocante. Toda desaforada, queria que ele prestasse conta do tempo ausente. Despeitada, cobrava seu espaço, a esse passo, tão rente.
O caso é que há tempos Seu Amórdio desistira de se dar a companhias, tentava edificar a solidão, mas no intento sentia que a pulsação enfraquecia. Na vila de Aquém todos temiam: “Como pode um ser vivente não ter um coração batente? Na certa é dado a bruxarias, já que anda sempre aos buchichos com Dotô Lembrares”.
- Sinto algo pulsando dentro de mim, até parece um... um... um coração. Preciso de ajuda, será que vou morrer?
- Deixe de caso, Amórdio, não vê que é caso de viver?! Já não era sem tempo. Ninguém passa a vida toda com o coração atrofiado. Ele vai bater e já te aviso que por vezes vai doer.
- Você não entende, meus sentidos não respondem e meus pensamentos não me obedecem. Tô virando escravo de algo dentro de mim. Será que é minha alma que adoece?
- Desde que tomou uma dose do meu veneno, não pode mais mantê-la distante, ela é parte do meu sangue. Devia ter te falado da Saudade, minha irmã pedante.
Foi não sem algum desespero que seu Amórdio se entregou à melodia cotidiana de tun-tuns descompassados. Por vezes até se aventurou a dançar.


7 comentários:

Thiago disse...

Adorei Gi... Só espero que não me aconteça o que aconteceu com o pobre Seu Amórdio!

Thiago disse...

"Ele vai bater e já te aviso que por vezes vai doer."
O grande problema é quando você pega fobia dessa dor...

Gislene Trindade disse...

Essa dor faz parte do batuque. O jeito é dançar, Thi.

Daiane Brito disse...

"Deixe de caso, Amórdio, não vê que é caso de viver?! Já não era sem tempo..."

That's it!!!

Quem sabe se vc passar a brincar de coisa séria... rsrsrs

Cris disse...

Ele vai bater e vai doer. No começo incomoda, depois até se gosta e, por fim, a morte já nem importa desde que seja oriunda dela...aaahhhhhhh, não há nada melhor.

Agora para estragar o comentário, espero que o coração não bata ao rítimo de um "tchu, tcha, tcha". Se for que morra de infarto fulminante!

Anônimo disse...

Um coração adormecido não dói, mas também não comporta sentimentos sem os quais não se pode considerar-se feliz, quando a felicidade se apresenta, em seu aperto de mão já podemos sentir a forte pulsação, pulsa quente e intensamente, e dor nada mais é que a lembrança da felicidade...

Unik Tampa Nama

Anônimo disse...

Um coração adormecido não dói, mas também não comporta sentimentos sem os quais não se pode considerar-se feliz, quando a felicidade se apresenta, em seu aperto de mão já podemos sentir a forte pulsação, pulsa quente e intensamente, e dor nada mais é que a lembrança da felicidade...

Unik Tampa Nama