A história
termina assim: ela fecha os olhos e puxa o gatilho. As luzes se apagam e as
cortinas se fecham. Depois ela volta pra ser aplaudida com o buquê de flores.
Era tudo faz de conta. Ela sorri agradecida. Sem brilho nos olhos abandona o
palco com as vísceras nas mãos e começa a encenação. Sorriso esmaltado pra
cobrir uma alma descascada. Olhos pintados pra disfarçar o tom opaco das pupilas.
Aquele dia, no
entanto, despistou o destino. Cambaleou por abismos. Na loucura, sorriu, dançou
com um desconhecido, era o tempo, não houve afagos, só passos dispersos pela
contramão e não havia mão que a segurasse. Até que Ele apareceu, não apenas
pegou-lhe a mão, mas tomou-lhe a cintura. Quem os visse, pensaria que ele a
roubava dela.
Ele era um quase.
Estar com ele era algo muito parecido com beirar o precipício em alta
velocidade, mas ela queria o vento na cara. Acelerava. Mesmo os olhos
claustrofóbicos dela pareciam não se importar por ficarem presos naquele olhar
cerrado de cílios caídos dele. Os beijos eram diabéticos, de lábios
hipertensos. Alta tensão. Dois fios descascados.
Eu, razão, quis
ser senhora de seu destino, mas ela disse não. Eu a teria protegido, mas para
ela a graça era o risco. Ela queria o estrago. Desafiava o paladar a sentir
qualquer dissabor mais intenso que o amargo que já tinha na boca. Brincava de
se apaixonar como quem aperta o gatilho num desses jogos de azar. Ela sabia que
um dia o disparo seria certeiro nessa roleta russa.
Em um dos
disparos, Eu fui Ela. E Ela era... Eu, só que na terceira pessoa. Na loucura
fui Nós em momentos a sós. Ela quis ser Dele. Eu só queria estar com Ele, mas
não achava as colocações pronominais adequadas. Mesmo
sabendo que os sentimentos, sujeitos ocultos, nem sempre fazem parte das orações insubordinadas, eu
poderia ter me apaixonado, na terceira pessoa, claro! No fim das contas, não
puxei o gatilho, mas mantive os olhos fechados.
6 comentários:
'Brincava de se apaixonar como quem aperta o gatilho num desses jogos de azar'.
Então, faça curso de tiro ao alvo. Acerte onde você tem vontade.
Nem toda brincadeira precisa ser desastrosa. Mas saia se ficar perigoso.
Eu tb quero me inscrever no curso do tiro alvo!!! hahahhahaha
Gis, só me vem uma coisa na cabeça depois do texto:
'Importuna Razão não me persigas...
se a lei do Amor, se a força da ternura
nem domas, nem contrastas, nem mitigas...
deixa-me apreciar minha loucura'
(Bocage)
Bruna Pellegrini
No curso de tiro ao alvo treina-se tiro para acertar o alvo, e nada mais.
Deixe a menina brincar de puxar o gatinho cara Felix.
Ela pode errar 10 tiros sem alvo, mas uma vez, talvez só uma vez, ela acerte o não alvo.
Não se tem bônus sem ônus né?
Puxar o gatilho de olhos vendados é a cabra cega da relação.
Aquela excitação básica de saber que existe a possibilidade de acertar o alvo ou não.
Mas, talvez pela praticidade do revólver - basta apenas puxar o gatilho - essa excitação se concentre mais no pensar e não na excitação dos braços procurando o vazio, ali, solitários em busca de outros braços.
Fica minha opinião: uma alma descasdada vale mais que uma desencanada do jogo.
Beijos,
Madson Moraes
Em certos momentos da vida, tudo que queremos é correr em ala velocidade à beira de um abismo, esquecer a razão e entregar-se sem pensar às emoções, sentir o coração bater forte e em cada batida a certeza de estar vivo...
Na verdade acredito que somente o risco de morte nos mostra verdadeiramente o que é vida e principalmente, estar vivo, viver na primeira pessoa, sentir a emoção de cada verbo!
Unik Tanpa Nama
A vida real é o palco ou o palco é a vida real?
Vivemos a vida ou é ela que nos vive?
Talvez haja um pouco de tudo ou um pouco de nada. Puxar o gatilho pode ser o primeiro passo.
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